Você sabe qual a causa, e o que podemos fazer para amenizar as perdas por enfezamento? Neste artigo vamos
explicar o que é enfezamento, quais são seus sintomas, quem é o vetor, e quais as
práticas de manejo indicadas para minimizar as perdas na cultura do milho. Acompanhe!
Causas dos enfezamentos
Os enfezamentos do milho são causados por uma classe de bactérias que se distinguem das demais pela
ausência de parede celular e, por isso, são denominadas Mollicutes. Mollicutes
são parasitas de animais e plantas que vivem dentro das células do hospedeiro.
Quando temos a ocorrência da doença, é comum observamos diferentes sintomas, relacionados tanto
ao Enfezamento Pálido (Spiroplasma kunkelii) quanto ao Enfezamento
Vermelho (Maize bush stunt phytoplasma).
Porém, além do mollicutes, em uma planta enfezada, também pode ser observada a presença
do Vírus da Risca – MRFV (Maize raiado fino virus), e é por isso que
nos referimos a doença como Complexo de
Enfezamento.
Sintomas dos Enfezamentos
Os sintomas de Enfezamento Vermelho – como o nome já diz – são o
avermelhamento a partir das margens e do ápice das folhas, seguido por seca (imagens 1 e 2).
Imagem 1. Planta de milho com sintomas de Enfezamento Vermelho (Maize bush stunt
phytoplasma). Foto: Felipe Baiá
Imagem 2. Planta de milho com sintomas de Enfezamento Vermelho (Maize bush stunt
phytoplasma). Foto: Felipe Baiá.
Já o Enfezamento Pálido, apresenta estrias cloróticas localizadas,
principalmente, na base das folhas (imagem 3).
É comum encontrar a campo plantas com os dois sintomas de enfezamento (imagem 4).
Imagem 3. Planta de milho com sintomas de Enfezamento Pálido (Spiroplasma
kunkelii).
Foto: Felipe Baiá.
Imagem 4. Planta de milho com sintomas de Enfezamento Pálido (Spiroplasma
kunkelii)
e de Enfezamento Vermelho (Maize bush stunt phytoplasma). Foto: Felipe Baiá.
Sintomas do Vírus da Risca, se caracterizam por lesões na forma de pequenos pontos
cloróticos alinhados (imagem 5), acompanhado de menor desenvolvimento e porte da planta.
É possível observarmos lavouras infectadas com o Vírus da Risca apenas com uma das
doenças, ou com todas ao mesmo tempo – Enfezamentos Vermelho e Pálido + Vírus da Risca.
Imagem 5. Planta de milho com sintomas de Virus da Risca – MRV (Maize raiado fino
virus).
Foto: Régis Borin.
Pela multiplicação do patógeno se dar de forma sistêmica na planta, ocorre uma
alteração nos vasos condutores, células companheiras e parênquimas do floema, o que causa
desregulação no comportamento da planta.
O fechamento estomatal induzido pelo fitoplasma também é fator para o desenvolvimento dos sintomas,
pois altera a troca gasosa e outros processos relacionados, como movimento hídrico e fotossíntese na
planta.
Por isso, danos como multiespigamento (imagens 6, 7 e 8), secamento prematuro da
planta, redução do porte da espiga (imagem 9), chochamento dos
grãos e tombamento de plantas (imagem 10) também podem ser observados
como consequências de lavouras enfezadas.
Imagem 6. Lavoura de milho com sintomas de multiespigamento. Foto: Felipe Baiá.
Imagem 7. Planta com complexo de enfezamento, multiespigamento e redução
da
inserção de espiga. Foto: Felipe Baiá.
Imagem 8. Planta com complexo de enfezamento, multiespigamento e redução da
inserção de espiga. Foto: Felipe Baiá
Imagem 9. Redução do porte de espiga e problemas de
polinização/granação em plantas afetadas pelo complexo de enfezamento. Foto: Felipe
Baiá.
Imagem 10. Lavoura de milho tombada, reflexo dos sintomas de enfezamento. Foto: Felipe
Baiá.
O tombamento de plantas é mais aparente após o florescimento, quando o metabolismo da
planta acelera devido a migração da energia acumulada na planta para a espiga. Como efeito
secundário, é comum ocorrer a infecção de fungos do solo como Pythium e
Fusarium.
Os sintomas podem variar de acordo com a sensibilidade do material e pelo estádio de infecção
(imagem 11). Sabemos que, quanto mais cedo a planta for infectada, maior será o dano. Isso
porque teremos um maior tempo de multiplicação do patógeno dentro da planta.
Imagem 11. Lavoura de milho tombada pelo complexo de enfezamentos. Diferença de
híbridos em relação a tolerância e suscetibilidade. Foto: Felipe Baiá.
Mas quem é o vetor responsável pela transmissão do complexo de enfezamentos até a
planta?
A doença está diretamente relacionada com a cigarrinha do milho Dalbulus maidis
(imagem 12). São insetos bastante ágeis, abandonando a planta ao
menor distúrbio. Geralmente se encontram no cartucho das plantas de milho, em número variável,
dependendo da idade da planta e época do ano.
A reprodução da cigarrinha depende exclusivamente da cultura do milho, sendo incapaz de
completar seu ciclo biológico em outras culturas. E a reprodução dos mollicutes, é
dependente deste inseto para se multiplicar.
Desta forma, regiões onde não há milho, não haverá vetor se reproduzindo e,
consequentemente, o problema do enfezamento está eliminado.
Imagem 12. Cigarrinha do milho (Dalbulus maidis).
Seu desenvolvimento sofre influência direta da temperatura ambiente, pois quanto maior é a temperatura,
mais rápido a cigarrinha completa seu ciclo e, deste modo, mais gerações do vetor surgem em uma
mesma janela de plantio.
Além disso, as condições ambientais também fazem com que os mollicutes se multipliquem
mais rápido dentro do hospedeiro (seja ele a cigarrinha ou o milho), acelerando a capacidade de
virulência.
Quando a temperatura é inferior a 27°C (dia) e 18°C (noite), a velocidade de
multiplicação da bactéria é reduzida.
Em uma temperatura média de 26°C, o ciclo de vida da cigarrinha é entre 23 e 27 dias. A praga
realiza postura endofítica (dentro do limbo foliar) cujo período de encubação é
de 8 a 10 dias, e o estádio de ninfa é de 14 a 16 dias.
Quando temos temperaturas abaixo de 20°C, não há eclosão de ovos e, quando eclodidos, mesmo
provenientes de insetos contendo mollicutes, a futura geração nasce livre da
doença. Esta é uma observação importante para o manejo da doença,
pois para uma nova infecção, há necessidade do vetor adquirir o patógeno a partir de uma
planta infectada.
É por isso que eliminar plantas de milho voluntárias que atuam como fonte de inóculo
é fundamental para o cultivo de lavouras livres do patógeno.
O que chamamos de “picada de prova”, não é suficiente para transmitir o complexo de
enfezamentos para a cultura e praticamente não causa danos.
Por isso, há uma necessidade mínima de tempo de alimentação do vetor para
aquisição da doença (quadro 1).
O período de latência é o tempo que leva entre a aquisição do
inseto e o início da transmissão do patógeno pelo vetor.
A inoculação é o tempo mínimo que a cigarrinha precisa se alimentar para
transmitir a doença à cultura do milho.
E retenção, período médio em que o vetor é capaz de reter o
mollicutes, causando novas infecções.
Quadro 1. Tempo de aquisição, latência, inoculação e
retenção das doenças causadoras do complexo de enfezamento pela cigarrinha do milho
Dalbulus maidis. Fonte: Josemar Foresti.
Quais são as alternativas de controle para o complexo de enfezamentos?
Em primeiro lugar: ações pontuais ou isoladas não resolvem o problema. A única forma
eficaz de controle do complexo de enfezamentos é através do manejo integrado.
É necessário fazer um manejo em nível ecológico (população do vetor e
mollicute) e regional.
Neste artigo trouxemos 5 importantes recomendações. São elas:
-
Eliminação de milho voluntário
-
Sincronização de plantio
-
Tolerância genética
-
Uso de Tratamento de Sementes Industrial
-
Aplicação de inseticidas para controle do vetor
1. Eliminação de milho voluntário
Sem dúvidas, entre todas as práticas, a eliminação
de milho voluntário é a primeira e mais importante estratégia de controle.
É comum observar nas regiões agrícolas grandes quantidades de milho voluntário na
entressafra e nos cultivos subsequentes (imagem 13).
Imagem 13. Planta de milho voluntária na entressafra. Foto: José Madaloz.
Desta forma, em áreas com potencial de incidência de enfezamentos, a prática de
eliminação do milho voluntário, é fundamental para o controle da doença. No
entanto, todas as ferramentas disponíveis devem ser utilizadas, iniciando pela regulagem dos equipamentos de
colheita (minimizando as perdas), uso de herbicidas pré e pós-emergentes para controle de diferentes
fluxos de germinação, etc.
2. Sincronização de plantio
Em determinadas regiões onde não há vazio sanitário determinado pela
condição de plantio durante todo o ano (pivots de áreas de semente, áreas de silagem,
regiões produtoras de milho verão e milho safrinha, etc.), existem populações de
cigarrinha já estabelecidas e infectadas por mollicutes, que estão aptas para novas
infestações.
Nessas situações, especialmente nas áreas de safrinha, os primeiros plantios de milho sofrem um
efeito de concentração desses insetos infectados, ocasionando alta pressão da doença.
Há uma preferência alimentar da cigarrinha por plantas jovens de milho, para se alimentar e realizar
posturas.
A migração e mobilidade do vetor faz com que ocorra dispersão na medida em que a semeadura
avança no restante das áreas da região, diminuindo os danos observados nas lavouras
subsequentes.
Nesses casos, a sincronização de plantio com a maioria da região pode ajudar a
escapar da maior pressão da doença (imagem 14).
Em outras palavras, quanto menor a janela de plantio (mais sincronizados), mais diluída será a
pressão do vetor e menores serão os danos observados. Essa informação é
importante para o posicionamento de híbridos e uma estratégia de manejo bastante interessante.
Imagem 14. Diferentes épocas de plantio de milho em uma mesma região. Foto:
Fernando
Zanatta.
Já em regiões com um vazio de milho determinado, tal cenário pode se inverter, uma vez que
nessas situações, os primeiros plantios escapam da maior pressão de cigarrinhas infectadas, e a
quantidade do vetor é muito baixa.
Assim como a carga de mollicutes, na medida que avançam os fluxos de plantios, a multiplicação
do vetor e do patógeno aumenta, inviabilizando os plantios mais tardios, pela alta incidência de
enfezamentos.
3. Tolerância genética
Existem grandes diferenças de sensibilidade entre híbridos (imagens 15 e 16), entretanto, não
podemos atribuir à tolerância genética o título de principal método de controle da
doença. Isso porque, dependendo da infestação, tempo de alimentação das
cigarrinhas e da carga dos mollicutes, um híbrido que resistiu bem à pressão da doença
numa determinada safra, pode não resistir a uma pressão maior da doença no ano seguinte –
caso não se aplique o manejo integrado em nível regional.
Imagem 15. Plantas de milho tolerantes ao complexo de enfezamento, infestadas com cigarrinhas
Dalbulus maidis, contaminadas com mollicutes. Foto: Josemar Foresti.
Imagem 16. Plantas de milho suscetíveis ao complexo de enfezamento, infestada com
cigarrinhas Dalbulus maidis, contaminadas com mollicutes. Foto: Josemar Foresti.
Pensando na tolerância, do ponto de vista fitopatológico, significa que a planta possui o complexo de
enfezamento, mas pode expressar poucos sintomas e/ou menor queda de produtividade, mesmo assim, ela continua
reproduzindo em seu interior os mollicutes que servirão para infectar futuros fluxos de cigarrinha do milho,
aumentando o inóculo regional.
4. Uso de Tratamento de Sementes Industrial (TSI)
O TSI é ferramenta fundamental no controle da doença pois protege a planta no período inicial de
desenvolvimento. Quanto mais cedo ocorre a infecção da planta, maiores são os danos
pelo enfezamento, devido ao maior período de multiplicação dos patógenos
nos tecidos da planta.
Assim, o uso de neonicotinóides no TSI protege a planta até, aproximadamente, V3, tornando-se uma
importante ferramenta dentro do manejo integrado da doença.
O TSI tem um efeito maior em condições onde as demais práticas de manejo também
são adotadas, pois dessa maneira há uma redução da população do vetor.
5. Aplicação de inseticidas para controle do vetor
A aplicação de inseticidas é uma ferramenta complementar que, sob alta pressão de
inóculo tem pouco efeito, portanto, é ineficaz se não for feito uso das demais ferramentas de
manejo – fundamentais para diminuir o inóculo da doença.
Quanto mais tempo conseguirmos postergar a entrada do vetor em nossas lavouras, maior será o sucesso. Por
isso, o período crítico de controle da cigarrinha em um campo de milho vai de VE até V10. Esse
é o período mais importante de proteção da lavoura, pois se ocorrer a
infecção, os danos serão mais significativos.
Em relação a produtos que podem ser aplicados, atualmente existem vários princípios
utilizados para controle de sugadores na cultura do milho para o controle da cigarrinha, porém, o mais
importante é monitorar a praga para determinar a frequência de aplicação.
Para serem efetivas as aplicações é necessário que tenham um bom efeito de choque, pois o
tempo necessário para uma cigarrinha infectada inocular os mollicutes numa planta de milho sadia, como
já vimos, é curto (+ou-1 hora).
O desafio está na falta de residual desses produtos, já que nos estádios iniciais, uma planta de
milho expande uma nova folha a cada 2 ou 3 dias e a mobilidade do inseto vetor é alta, sendo que novas
revoadas podem acontecer no intervalo uma aplicação e outra.
Considerações importantes
A ocorrência de enfezamentos, que antes se restringiam a áreas do Brasil Central, vem se expandindo. Na
safrinha 2019 foram confirmados alguns casos no estado do Paraná.
Mudanças no sistema de produção de milho, como uso da tecnologia Bt, que modifica a
dinâmica de aplicações de inseticidas, bem como a adoção da tecnologia RR (quando
não se usa tecnologia de controle apropriada para eliminação das plantas voluntárias)
certamente contribuem para mudanças na dinâmica do vetor e avanço dos casos de enfezamento.
Assim, fica evidente que medidas pontuais não são capazes de eliminar o problema. É
necessário estar atento e conscientizar o setor agrícola, principalmente em áreas de
pressão da doença, para colocar em prática as 5 recomendações de manejo apontadas
acima.
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por Felipe
Baiá
Carvalho Souto, MSc. Engenheiro Agrônomo pela UENP (2014), com MBA em
Marketing Estratégico pela Esalq
(2017), e Mestre em Agronomia pela UENP (2019). Possui experiência em condução
de ensaios a campo, pesquisas para as culturas de milho e soja, avanços de materiais
genéticos, geração e desenvolvimento de informações
técnicas, treinamentos e palestras. Atualmente é Agrônomo de Campo para as
marcas de sementes da Corteva Agrisciente™, atuando no Centro Oeste e Norte do estado do
Paraná.
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Co-autor Douglas
Batista
Jandrey, MSc. Engenheiro Agrônomo pela UFRGS (2006), Mestre em
Fitotecnia, Fisiologia Vegetal pela UFRGS
(2008), e especialista em proteção de plantas pela UPF (2011). Possui
experiência em condução de ensaios a campo em parceria com universidades e
fundações de pesquisa para as culturas do milho e da soja, geração e
desenvolvimento de informações técnicas e treinamento e palestras. Atualmente
é Gerente de Agronomia para as marcas de sementes da Corteva Agriscience™, atuando na
região Sul do Brasil e Paraguai.
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Co-autor Josemar
Foresti,
Dr. Engenheiro Agrônomo pela Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM), Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), Mestrado em Fitossanidade - Área de concentração: Entomologia (FAEM/UFPel), e Doutorado
em Agronomia pela Universidade de Brasília (UnB). Tem experiencia em pesquisa em produção de semente,
manejo de enfezamento do milho, treinamento e palestras técnicas. Atualmente é responsável pelo programa
da Corteva Agriscience™ Brasil na seleção das novas tecnologias Bts para o controle das pragas de milho
e soja.
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