Douglas Jandrey¹, Bernardo Tisot² e José Carlos Madaloz²
¹Seed Field Agronomy Manager, ²Field Agronomist
A rotação de culturas é uma prática de manejo importante para manter os talhões em equilíbrio, através do cultivo alternado de plantas na mesma área ao longo do tempo. As espécies plantadas possuem, além do propósito comercial, a intenção de recuperar o solo, aumentando sua atividade biológica e capacidade de absorção de água, diminuindo o risco de erosão e perda de nutrientes com as enxurradas.
Na rotação, as espécies vegetais precisam ser diferentes. Sabe por quê? Na moncultura e nos sistemas de sucessão simples, como trigo-soja, ou pousio/pastagem-soja, pode haver uma degradação física, química e biológica do solo com o passar do tempo.
Porém, quando a cultura do milho é incluída em um sistema de rotação (e não sucessão) bem planejado, os resultados são expressivos e sustentáveis no longo prazo.
Vamos explicar um pouco mais...
Como tem sido feito?
Muitos produtores introduzem a cultura do milho em suas propriedades simplesmente pelo intresse econômico quando o mercado apresenta bons preços.
A decisão baseada apenas no preço de comercialização dos produtos é, muitas vezes, imprecisa e ineficiente, isto porque, entre a implantação da cultura e a colheita, muitas mudanças podem acontecer e trazer grandes frustrações.
A estratégia da rotação com milho deve ir muito além da análise de preços, já que para um bom planejamento é necessário levar em conta todos os benefícios que o cereal pode trazer para o sistema produtivo das propriedades e para a sustentabilidade do sistema.
Enquanto os critérios de mercado determinam a decisão do produtor, os benefícios técnicos ligados a rotação de culturas, amplamente difundidos e embasados em resultados de pesquisa, acabam caindo no esquecimento.
Como deve ser?
Na visão técnica, milho e soja devem andar juntos. Atualmente, existem híbridos que apresentam alto potencial produtivo, o que permite ao produtor boa rentabilidade em relação à soja.
A quebra de ciclo de patógenos, o uso de diferentes grupos químicos de herbicidas, a diferença da exploração radicular, e a produção de biomassa são fatores que melhoram o controle de doenças, plantas daninhas, e pragas, além de também acabar incrementando a fertilidade do solo, tornando a atividade mais sustentável.
Mesmo com os avanços de produtividade da soja, em decorrência do surgimento de novas cultivares com maior tolerância a algumas doenças e pragas, a rotação com milho fornece benefícios significativos e diretos.
Os talhões que tem a cultura da soja como principal, deveriam receber a cada 3 anos a cultura do milho, que se apresenta como a forma de rotação mais viável tecnicamente e a mais rentável para o cultivo de verão.
São benefícios importantes da rotação que inclui a cultura da soja e do milho:
- Controle de doenças;
- Controle de pragas;
- Controle de plantas daninhas;
- Maior proteção do solo e reciclagem de nutrientes;
- Aumento de produtividade.
Vejamos cada um destes benefícios de forma detalhada.
1. Controle de doenças
Algumas doenças importantes têm aumentado sua incidência em função do monocultivo de verão. Quando a cultura do milho está incluída na rotação, pode haver a diminuição significativa dos fitopatógenos causadores da podridão cinza (imagens 1 e 2), podridão radicular vermelha (imagem 3), podridão radicular de fitóftora (imagem 4), mofo branco (imagem 5) e antracnose (imagem 6) na cultura da soja.
Imagem 1. Microescleródios de podridão cinza, doença causada pelo fotopatógeno
Macrophomina phaseolina.
Foto: Bernardo Tisot
Imagem 2. Podridão cinza na lavoura de soja.
Foto: Bernardo Tisot
Imagem 3. Podridão radicular vermelha, doença causada pelo fitopatógeno
Fusarium Solani.
Foto: Ricardo Dresch
Imagem 4. Podridão radicular de fitoftora.
Foto: Bernardo Tisot
Imagem 5. Mofo branco, doença causada pelo fitopatógeno
Sclerotinia sclereotiorum.
Foto: Lecio Kaneko
Imagem 6. Antracnose, doença causada pelo fitopatógeno
Colletotrichum truncatum.
Foto: Lilian Abreu
A rotação de culturas auxilia na redução do inóculo da doenças, devido a decomposição ou mineralização da matéria orgânica
dos restos culturais e exaustão nutricional do substrato. (REIS et.al, 2011).
Além disso, a camada formada pelo maior acúmulo de restos culturais serve como barreira aos propágulos de agentes causais de doenças, e hospedeiros reduzindo as chances de inoculação das plantas pelos patógenos sobreviventes nos resíduos (FANTIN et al., 2014).
2. Controle de pragas
A disseminação de pragas na cultura da soja pode ser potencializada em função da monocultura de verão. Na região Sul do Brasil, por exemplo, com a queda da área plantada de millho (falta de rotação), uma praga que pode aparecer é o Bicudo (Sternechus subsignatus), imagens 7 e 8.
Apesar de existir um controle químico eficaz para o Bicudo, se houver aumento populacional ao longo dos anos, poderemos voltar a ter prejuízos significativos e já conhecidos.
Imagem 7. Larva de Bicudo (Sternechus subsignatus).
Foto: Bernardo Tisot
Imagem 8. Bicudo adulto.
Foto: Bernardo Tisot
Dependendo do manejo e da cultura de cobertura que antecederá o milho, é importante prever alguns tipos de pragas que, geralmente, sobrevivem nessas plantas.
O planejamento da cobertura verde é imprescindível para não haver surpresas desagradáveis. A alta incidência de grilo marrom e corós são exemplos típicos de problemas em áreas de pouca cobertura.
Indiretamente, mais pragas sofrem interferência na monocultura de verão, como é o caso dos nematoides, das lagartas, dos ácaros, da mosca branca, entre outras.
Na frequente utilização do monocultivo, é possível perceber um aumento populacional das pragas, o que levará consequentemente ao aumento no número de aplicações de inseticidas durante o ciclo da soja, aumentando o custo de produção. E nós não queremos isso, certo?
3. Controle de plantas daninhas
A rotação de culturas também colabora para a redução de populações de certas plantas daninhas adaptáveis a determinadas culturas.
A palhada deixada pela cultura do milho ajuda a reduzir o banco de sementes das invasoras e proporciona o uso de um número maior de herbicidas, com diferentes mecanismos de ação, o que contribui para o controle de espécies resistentes e/ou tolerantes.
Além disso, uma maior quantidade de palha sobre o solo auxilia na redução da germinação e/ou retardamento da infestação das plantas daninhas, devido a barreira física proporcionada. (PACHECO et al., 2009)
Azevém, buva, capim branco e capim amargoso (imagens 9, 10, 11 e 12) são invasoras importantes na cultura da soja que tem a sua infestação reduzida em áreas de rotação com milho.
Imagem 9. Azevém resistente em competição com soja na região de Passo Fundo/RS.
Foto: Bernardo Tisot
Imagem 10. Buva resistente em competição com soja na região de Tapejara/RS.
Foto: Bernardo Tisot
Imagem 11. Capim branco.
Foto: José Carlos Madalóz
Imagem 12. Capim amargoso.
Foto: José Carlos Madalóz
Assim como essas plantas daninhas, a maioria das plantas de difícil controle com glifosato na cultura do milho se tornam facilmente controladas por triazinas associadas a outros herbicidas geralmente usados em milho.
4. Maior proteção do solo e reciclagem de nutrientes
A soja possui raiz pivotante enquanto o milho tem raiz fasciculada, o que faz com que essas culturas explorem e absorvam nutrientes de diferentes nichos do solo, e realizem uma descompactação biológica por meio de diferentes sistemas radiculares.
Além disso, a exportação (grão) e reciclagem dos nutrientes na palhada são complementares entre a soja e o milho.
Para definir o melhor sistema de rotação de culturas, é importante considerar alguns fatores que são indispensáveis para o seu sucesso:
- Conhecer o ambiente (solo) em que será instalada a cultura;
- Planejar o cultivo precedente com antecedência, visando suprir as necessidades da lavoura que será implantada na sequência, especialmente em relação a janela de plantio;
- Entender as necessidades de extração dos nutrientes em relação à produtividade pretendida, considerando a exportação nutricional, via grãos, da cultura principal.
Conhecendo o ambiente e planejando a cultura precedente
O planejamento com antecedência é fundamental para a melhoria dos processos de produção e para a obtenção de altos rendimentos na cultura principal. Conhecendo as necessidades nutricionais de cada gleba, o produtor pode organizar a cultura antecessora que deverá servir de veículo para balancear a adubação do sistema produtivo, parcelando parte dos nutrientes com intenção de reciclagem, aumento de matéria seca e, principalmente, de formação de raízes.
A formação de raízes irá promover a defesa do solo em relação aos problemas de escorrimento de água com nutrientes por enxurradas em ambientes desnudos nas épocas de chuvas mais intensas, e também irá acarretar em melhoria no processo de descompactação natural com o incremento do volume radicular (imagem 13).
Imagem 13. Capacidade da cultura antecessora de promover melhorias de aspecto físico ao solo.
Foto: Dirceu Gassen
Extração e exportação de nutrientes
Em anos de altas produtividades, em que os volumes de nutrientes exportados pelos grãos podem exceder os da adubação, redobre os cuidados, visto que o saldo negativo gerado deve ser reposto nos próximos ciclos para que não ocorra a diminuição da fertilidade da área.
Nos gráficos 1 e 2 podemos analisar a extração e exportação dos principais nutrientes de milho e soja.
Gráfico 1. Nutrientes extraídos e exportados pela parte aérea da soja (média de vários autores).
Gráfico 2. Nutrientes extraídos e exportados pela parte aérea do milho (média de vários autores).
A soja é grande produtora e recicladora de Nitrogênio (N) e exportadora de Cálcio (Ca) e Potássio (K). Já o milho é grande consumidor e exportador de N, mas reciclador de Ca e K. Ou seja, a rotação com milho possibilita aumento direto nos teores de Potássio, maior acúmulo de Nitrogênio (incremento de palha no sistema) e retenção de Cálcio e Magnésio no solo como benefício para a soja.
Na matéria seca dos restos culturais, aproximadamente 9% do conteúdo são sais e compostos essenciais para as plantas. A maior parte disso é: Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Potássio (K); mesmos nutrientes aplicados via fertilizantes nas lavouras pelos produtores.
Nesse sentido, a inserção do milho na rotação é importante para proporcionar ciclagem de nutrientes e aumentar os teores de matéria orgânica.
Conservação de solos
A cobertura permanente (imagem 14) e a adubação verde são práticas essenciais para a estabilidade da produção, protege os solos e é o fator que determina a formação dos agregados, matéria orgânica e ciclagem de todo o complexo de nutrientes necessários para a produção de grãos.
Imagem 14. Cobertura permanente com milho no sistema.
Foto: Bernado Tisot
Plantas com sistemas radiculares abundantes como milho (imagem 15) trazem inúmeros benefícios estruturais às lavouras. A
rotação com milho é indispensável para proporcionar ao sistema a estabilidade química, física e biológica do solo, e essencial
para almejar metas crescentes de produção.
Imagem 15. Sistema radicular abundante no milho.
Foto: Dirceu Gassen
5. Aumento da produtividade
O resultado da rotação entre milho e soja, ao longo do tempo, é o aumento da produtividade em ambas as culturas.
A soja apresenta respostas positivas à rotação de cultura, principalmente quando cultivada na safra verão após o cultivo do milho (gráfico 3). Considerando a produtividade média da soja no sistema de rotação com milho em relação à observada na sucessão com trigo, o ganho acumulado na produtividade da oleaginosa corresponde a 17%. (FRANCHINI et al., 2011)
Gráfico 3. Produtividade média da soja (safras 1991/92 a 2008/09) em função do tempo após o cultivo do milho de verão, no sistema de rotação tremoço/milho – aveia/soja – trigo/soja – trigo/soja e no sistema de sucessão trigo/soja.
Experimentos conduzidos pela Fundação ABC, entre 1998 e 2004, comparando dois sistemas de rotação, sendo um com trigo-soja e outro com aveia-milho-trigo-soja, obteve as seguintes conclusões:
- A rotação com milho no sistema apresentou diferença positiva de 3,4 sc/ha na soja, em comparação com a soja pós-trigo em 7 anos de experimentos;
- Além do ganho na soja, a cultura do trigo, toda vez que plantada após o milho obteve diferença positiva de 14,7 sc/ha, gerando um ganho cumulativo para ambas as culturas (gráfico 4).
Gráfico 4. Produtividade média (sc/ha) ao longo de 7 anos de experimento com rotação de culturas (MOLIN, 2008).
Existem também experimentos que demostram os efeitos benéficos do milho até o segundo ano de plantio de soja após a rotação (gráfico 5). Nessa situação, a soja produziu 20,3% a mais no primeiro ano após o milho e 10,5% no segundo.
Gráfico 5. Rendimento de grãos de soja em kg ha-1, no primeiro e segundo anos após milho, em comparação ao rendimento da soja sem rotação, conduzidos em sistema de plantio direto. Adaptado de Ruedell (1995)
Os aumentos de produtividade nas culturas presentes nos sistemas produtivos onde existe milho na rotação são explicados por alguns aspectos técnicos que são direta ou indiretamente afetados pela existência do cereal, que são os motivos já citados para incluir o milho na rotação de culturas: reciclagem de nutrientes, doenças, plantas daninhas, pragas e conservação dos solos.
Apesar dos experimentos já terem algum tempo desde a sua realização, ainda hoje são muito atuais para representar o que podemos ver na prática diária no campo.
Os benefícios visíveis
Retomando... os benefícios visíveis da rotação de culturas com milho são:
- Economia no manejo das principais doenças, pragas e plantas daninhas;
- Ganho na fertilidade do solo, racionalizando o uso de fertilizantes e aumento de produtividade para a cultura da soja e do milho;
- A rotação de culturas tem se mostrado uma prática que aumenta a estabilidade da produção das culturas perante as variações climáticas comumente observadas (FRANCHINI et. al, 2011);
- Na média dos anos é mais rentável e seguro trabalhar intercalando o milho no sistema de rotação ao invés de utilizar somente a cultura da soja (com duas culturas ao invés de uma).
A realização da rotação de culturas requer um profundo conhecimento sobre o sistema de produção e boas práticas de manejo. Ao integrar esses processos, além do aumento da produtividade, é possível melhorar o equilíbrio físico, químico e biológico do sistema de produção.
Com efeito, para que esse tipo de trabalho tenha sucesso, cada agricultor deve aprender, acumulando experiências e melhorando os seus sistemas ao longo dos anos, promovendo a melhoria contínua do seu fator de produção mais valioso, que é o solo com alta fertilidade.
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Referências:
EMBRAPA MILHO E SORGO. Sistema de Produção, 1. ISSN 1679-012X Versão Eletrônica - 6ª edição. Set./2010. Disponível em: http://www.cnpms.embrapa.br/publicacoes/milho_6_ed/sisplantiodireto.htm
FRANCHINI, J. C. et al. Empresa Brasileira de Agropecuária, Embrapa Soja/ Documentos 327. Importância da rotação de culturas para a produção agrícola sustentável no Paraná. Londrina-PR, 2011.
GASSEN, D.N. A adubação verde e o plantio direto. Revista Plantio direto. Edição 116, p.32-38. Março/Abril de 2010
Malavolta, E. ABC da Adubação, 5º ed, Agronômica Ceres, 1989.
MELLO, R.P. Benefícios da Rotação de Culturas com Milho na Sustentabilidade da Soja. Maio 2015. Disponível em: http://www.pioneersementes.com.br/blog/42/beneficios-da-rotacao-de-culturas-com-milho-na-sustentabilidade-da-soja
MOLIN, R. Subsistemas de produção em plantio direto: explorando alternativas econômicas rentáveis para o inverno, 2008.
REIS, E.M.; Casa, R.T.; Bianchin, V. Controle de doenças de plantas pela rotação de culturas. Summa Phytopathologica, v.37, n.3, p.85-91, 2011
RUEDELL, J. Plantio direto na região de Cruz Altas. Cruz Alta,: FUNDACEP-FECOTRIGO:, 1995.134 p. Convênio FUNDACEP/BASF.